quarta-feira, 29 de julho de 2009

'Você ainda acredita?!' (por Daniel Lélis)


Você ainda acredita que um outro Brasil é possível?
Acredita que podemos contrariar as nossas próprias previsões e nadar contra a corrente do pessimismo?
Somos o país do jeitinho, e por incrível que pareça nós mais nos orgulhamos disso do que nos envergonhamos.
A corrupção nos adoece, mas o pudor que acomete alguns inexiste em outros.
Nossos maiores gênios jogam bola. Nossos maiores heróis foram inventados.
Num país de contrastes, nem todas as cores são bem-vindas.
Zombamos da Lei, e fazemos da ética uma utopia.
Nossos fracassos nunca são só nossos. E as nossas vitórias são sempre dos outros.
Choramos a morte de inocentes, mas deveríamos mesmo era chorar era pelo nosso conformismo.
Somos o país do futuro que nunca chega.
Religiões se multiplicam por aqui, mas mais dividem do que somam.
Vendemos hipocrisia e compramos a submissão.
Feridos pela eterna decepção, muitos de nós desistem.
Outros vão atrás, e muitos chegam à frente.
A esperança, é claro, sempre há de iluminar. Mas sabemos que os desafios exigem muito mais que só esperança.
O país do carnaval dança, e dança sempre. Uma dança sem ritmo, dançada sem música, em que sobram escorregões.
Damos o poder e se apoderam de nós. Nosso voto ou é uma arma sem bala, ou é uma bala perdida.
E se as verdades doem, mentiras nos acalentam.
Se deveríamos nos enojar de muitas de nossas práticas, acabamos por vezes por fazer delas troféus. E ainda os erguemos.
Somos o país em que pessoas morrem nas filas dos hospitais, e tudo fica por isso mesmo.
Invejam-nos por sermos o país abençoado pela natureza. É, não temos furacão nem terremotos, mas temos as queimadas e a destruição acelerada daquela que é a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Queimam árvores, e assim como o verde, os sonhos viram fumaça.
A justiça quando caminha, caminha lentamente rumo o seu próprio descrédito.
Acreditar em dias melhores por aqui é um ato de coragem estúpido, mas necessário.
Mas ainda prefiro ser um estúpido que acredita que um colecionador de lamentos.

'As paradas da discórdia' (por Daniel Lélis)



As Paradas LGBT nunca tiveram tanta força no Brasil como hoje. Em nenhum momento tivemos tantas manifestações dessa natureza em nosso país. Seu sentido maior é promover a diversidade e o respeito a milhões de brasileiros que veem negados pelo Estado diversos direitos, como o de casar, adotar filhos e doar sangue.
Com as paradas a militância LGBT se fortaleceu, conquistou-se visibilidade e auto-afirmação. Com elas vieram também uma enxurrada de críticas. Inclusive de homossexuais. Se nunca tivemos tantas paradas, nunca também tivemos tantas críticas a elas.
Alguns dizem que as paradas perderam a razão de serem, uma vez que nosso país já parece ter livrado da doença que é a homofobia. Outros afirmam que as paradas perderam o sentido político, uma vez que é festiva, e com festa não se faz política. E vão além, ao afirmarem que as paradas promovem a visão do LGBT estereotipado, materialista, e pervertido. Ou seja, pede-se respeito, mas não se dá.
Sem críticas não se progride. Sem críticas não há avanço. Todas as que citei são merecedoras de respeito e atenção, mas pecam por sua inteira limitação.
Quem afirma que não precisamos mais de paradas porque nossa sociedade á não é mais homofóbica esquece dos milhares de assassinatos cometidos contra LGBT em todo o Brasil. E não precisa de nenhuma pesquisa questionável para provar que estamos num país extremamente homofóbico, ora. Basta ser para ver. Basta tirar os óculos escuros das conveniências. Homossexuais são sim mortos barbaramente, e muitas vezes só por serem homossexuais. Homossexuais são sim humilhados, discriminados, em nosso país, e isso é um fato. Quem se nega a enxergar isso ou é cego ou é desonesto intelectualmente. Ou as duas coisas.
Os que afirmam que as paradas perderam o sentido político tem um conceito muito raso do que é política. Acham que não se pode fazer política com festa, dança, música e alegria. Acham que política é só aquela chatice de empunhar cartazes e gritar palavras de ordem. É um engano. Politizar com dança, música e alegria é uma resposta dos novos tempos a caretice que era exalada (e ainda o é) pelos movimentos sociais.
Aos que afirmam que as paradas promovem uma visão estereotipada do LGBT, parecem ignorar que é lá que a diversidade, nua e crua, se mostra, se impõe. Sim, aquelas travestis com peitos de fora, de mini-saia, merecem sim respeito. É a liberdade de se expressar, de exigir respeito ao que somos/ao que queremos ser. Por que puni-la com desprezo? Por que censurá-la? Não é a manifestação da diversidade? Não há razão de se sentir ofendido. Quem confunde a arte de ser com promiscuidade ou coisa do gênero colabora com a visão mesquinha e machista de que se fosse mulher, em vez de vilipêndio, surgiriam elogios, invejosos ou desejosos.
Somos materialistas? Sim, somos. Mas não somos só isso. E não somos materialistas por sermos homossexuais. Isso é teoria conspiratória. Lá na parada tem milhares que odeiam o consumo, e se não aparecem, a razão é só uma: eles não chamam tanta atenção. E nem por isso merecem menos ou mais respeito.
Somos milhões de brasileiros. Somos brancos, amarelos, e negros. Somos ricos e pobres. Somos fúteis, tristes e alegres. Somos sérios e pervertidos. Somos bonitos e feios. Magros e gordos. Somos baixinhos e altos. Somos de todas as escolaridades, de todos os credos. Somos o que somos, na parada ou fora dela. Fora dela, pouca ou nenhuma liberdade. Dentro dela, a liberdade de ser, de sorrir, de se expressar. Sem medo de ser expulso, xingado ou humilhado. E enquanto precisarmos delas, não há crítica no mundo que seja capaz de tirar-lhes o mérito.