quinta-feira, 22 de outubro de 2009

'O impossível não existe' (por Daniel Lélis)


A ideia que o brasileiro tem da política não poderia ser pior: “Todo político é ladrão!”. Não adianta negar, nem fechar os olhos. É fato. A visão é injusta por ser genérica, mas arrazoada e compreensível por ter amplo amparo na realidade. Ora, qual é a semana que não surge um novo escândalo político por aqui? É tão nebulosa a imagem que o brasileiro tem dos seus representantes que a palavra “corrupção” parece ter virado sinônimo de “política”. Falar desta sem mencionar aquela é evento raro. É uma pena.
É doloroso constatar que uma instituição tão antiga como a política, incumbida da valiosa missão de garantir a felicidade coletiva, tenha tomado para si um sentido tão banal, sujo e impopular. É claro que político e política não são a mesma coisa. Mas como desvincular um do outro? Ora, o político faz a política! É claro também que política não é o mesmo que politicagem. Mas como negar que esta é consequência daquela? Como separar uma da outra quando parece que uma é a outra?
No Brasil temos de tudo. Do assistencialismo disfarçado ao coronelismo pré-histórico. Do populismo mórbido ao nepotismo asqueroso. Dos acordos partidários onde valem tudo às políticas sociais que valem nada. Da desonestidade plena à canalhice despudorada. Do fisiologismo debochado a indecência de dólares na cueca. Até para o mais otimista virar esse jogo pode parecer impossível.
Desanima saber que dificilmente algum dia a imagem que se tem da política e dos políticos brasileiros irá mudar. Não há como ver diferente o que sempre se desenha igual. Somos acometidos diariamente de mais e mais denúncias contra os nossos governantes. Tanto é, que nem nos assustamos mais. A bandidagem política faz parte da paisagem assim como as estrelas do céu. Tem bandido para todos os gostos. Tem o bandido vampiro, o sanguessuga, o mensaleiro, o quadrilheiro, o bingueiro, o mafioso e tantos outros que levariam a eternidade para descrever. Em comum, o fato de raramente serem punidos. Aliás, a impunidade é o que nos diferencia das nações mais desenvolvidas. Quem disse que lá não tem ratos no poder? É claro que tem. Contudo, diferente daqui, lá eles são punidos e muitas vezes banidos para sempre da esfera política. Aqui, punição é exceção.
Não é a toa que seja difícil conter o entusiasmo quando surge um pequeno feixe de luz no fim desse túnel enlameado que é a política brasileira. Sonha-se. Vibra-se. É o que acontece quando vemos ser afastados do poder aqueles que fazem de tudo para depreciar ainda mais o já pútrido sistema representativo. Já foram três os líderes estaduais a perder o mandato este ano por conta de crimes eleitorais. Fato inédito e que deve ser comemorado. Marcelo Miranda foi o último deles. Mais dois ainda serão julgados pelo TSE. Será o fim da impunidade; desse vergonhoso convite ao crime? Não, infelizmente não podemos sonhar com isso ainda. Mas quem sabe não seja o fim dessa moléstia. O sinal de que ainda dá tempo. De que ainda tem jeito. De que ainda podemos acreditar.
Quem sabe algum dia (que espera-se não ser o de “São Nunca”, claro!), depois de amplas reformas, com a superação do conformismo e da incredulidade que de nós se apodera, com a maior conscientização política do nosso povo, com a certeza da punição aos bandidos do colarinho branco, poderemos nos orgulhar de dizer ao mundo que viramos o jogo?! Assim, não duvidaremos de mais nada. O impossível já não existirá!


Texto publicado originalmente no Jornal O ATUALIDADE.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

'Araguaina. A pobre cidade rica' (por Daniel Lélis)


Com pouco mais de meio século de existência e com uma população em torno de 114 mil habitantes, Araguaina (agora sem acento depois da reforma ortográfica), a segunda maior cidade do estado de Tocantins, é a expressão plena de uma contradição brasileira. Muito foi feito para que ela fosse escolhida como capital do estado. Não teve êxito. Contudo, acabou por herdar o título de Capital Econômica. Nada mais justo. Movida principalmente pelo setor agropecuário, mas com expansão de outros setores, Araguaina de fato ostenta a maior economia do Estado. Temos grandes empresas e faculdades que se expandem cada vez mais. Temos profissionais com reconhecido talento a nos representar. E por fim, temos um povo aguerrido que trava verdadeiras batalhas diárias em busca de um futuro melhor. Essa é a cidade rica.
Por que então seríamos uma cidade pobre? A realidade responde. O que você diria de uma cidade que tem por semanas a sede de sua prefeitura invadida por moradores locais em protesto? Redes de dormir por todos os lados. Uma lona velha em volta de um poste a servir de banheiro. Roupas estendidas pelo jardim. Esse era o cenário da sede do poder executivo municipal durante semanas. Longe de querer discutir o mérito da questão, é no mínimo constrangedor para qualquer governante ter o seu ambiente de trabalho invadido assim. Aliás, trata-se de um constrangimento não só político, mas público, uma vez que a Prefeitura é de todos nós. Uma cidade rica comportaria tal situação?
Falar de buracos por aqui é redundante. Vem governo e vai governo, e eles continuam lá. Alguns de tão largos e extensos parecem verdadeiras crateras. Quem nunca ouviu falar de Buracaína, o apelido nada carinhoso dado a cidade em razão destes detalhes tão indiscretos? É rica uma cidade afundada em buracos?
E o que dizer então do transporte público araguainense? Dentre todas as empresas que por aqui atuam, nenhuma delas é tão odiada como a Viação Lontra. Pergunte a qualquer um que precise dos seus serviços. Nada é pior. E ninguém é melhor para falar isso que eu, um usuário. Não foi uma nem duas vezes apenas que tive de esperar por mais de 1 hora um coletivo debaixo de um sol escaldante. Quando o ônibus chega, ou está lotado ou está caindo os pedaços. Ou as duas coisas. Isso sem falar da má educação e arrogância dos motoristas. Que é aquilo? Certa vez, numa das minhas angustiosas aventuras dentro de um coletivo, presenciei o motorista chamar uma moça de retardada. E tudo por uma bobagem. Foi tamanha a indelicadeza do funcionário da empresa que mesmo depois de a mesma ter descido, ele continuava a xingá-la. A tarifa aumentou. Por que será que a qualidade não aumenta? Aliás, e os terminais que construíram? Dia desses passei por um deles e vi que antes de mesmo de ser inaugurado já haviam lâmpadas destruídas. Sem falar que o lugar parece ter se tornado um banheiro público, tamanha a quantidade de fezes ali espalhadas. Estamos numa cidade rica?
Os problemas araguainenses não são diferentes dos de outras cidades do Brasil. Apontá-los e denunciá-los é um dever de todos nós. Às mazelas aqui descritas somam-se muitas outras como a precariedade da saúde e a falta de ambientes de lazer. É claro que não existe um só culpado nem uma só solução. Entretanto, se não discutirmos a fim de encontrar uma saída para cada um deles, se não cobrarmos dos agentes políticos maior empenho nesse propósito, acabaremos por fazer do conformismo a nossa maior bandeira. Ficaremos para trás. Seremos a pobre cidade pobre.


Texto publicado originalmente no Jornal O ATUALIDADE.