quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

'Legislando em causa própria' (por Daniel Lélis)




A argumentação homofóbica (de quem tem preconceito contra homossexuais) nunca foi muito criativa, muito embora seja impregnada de ousadia e desonestidade intelectual. Certa vez fizemos um curso de capacitação para policiais militares tocantinenses, cujo tema era: Direitos Humanos e Homofobia. O evento histórico para a militância LGBT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) do estado trouxe diversas palestras. Uma delas, com o advogado do grupo GIAMA - Grupo Ipê-Amarelo de Luta pela Livre Orientação Sexual, pioneiro no estado na luta pelos direitos humanos homossexuais. No final do evento foi dado espaço para perguntas e observações. Uma das perguntas foi justamente feita ao advogado. Inquiriu um dos policiais presentes: - O senhor por um acaso está legislando em causa própria? Pasmem, o policial, na falta de qualquer argumentação razoável, preferiu "atacar" pessoalmente o advogado, "acusando-o" deste "pecado" que é a homossexualidade. Preferiu expor a ideia de que só homossexuais defendem homossexuais. Tolice pura. O advogado respondeu a altura, dizendo que sua vida pessoal era o que menos importava, já que ele estava ali para formar mentes (ou abri-las, como preferirem) no que diz respeito a um tratamento digno a homossexuais, não para falar de suas predileções particulares, e que aquilo é dever de todos. Certíssimo. O argumento do policial é usado habitualmente por homofóbicos (quem o diga Silas Malafaia e Magno Malta!). Já vi e ouvi milhares de vezes. Mas daí eu pergunto: -e se for? E se tivermos mesmo legislando em causa própria? Não é um direito que nos assiste? Não é a forma que temos para manifestar nossas aspirações enquanto grupo social rotineiramente relegado a marginalidade? Policias legislam em causa própria quando defendem salários maiores. Pastores legislam em causa própria quando usam o microfone do Congresso Nacional para acusar homossexuais de pedófilos. E aí? Somos tão piores que não nos é dado este mínimo direito de ir atrás de novas conquistas? Se nao podemos casar, adotar e nem sequer doar sangue, cabe a quem preferencialmente (e não exclusivamente, esclareça-se) exigir que isso mude? A nós, ora, os mais interessados. E fazemos isso como? Legislando em nossa causa própria!

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Falando nisso, está no Senado Federal projeto de lei que pretende tornar crime no Brasil a homofobia, assim como já acontece com o racismo. Trata-se do PLC 122/2006, que têm como maiores objetivos o reconhecimento da liberdade, a defesa intransigente dos direitos humanos e o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito. Os fundamentalistas religiosos, na maioria protestantes, têm anunciado o apocalipse caso o projeto seja aprovado. Ou seja, os bastiões da ética e da moralidade cristã são contrários a um projeto, que como afirmou brilhantemente André Petry, em um de seus artigos em Veja, “pretende dar aos gays (...) aquilo a que todo ser humano tem direito: respeito à sua integridade física e moral.” Como entender isso?!

Texto meu, reformulado, atualizado e publicado no Jornal Atualidade.