Lá fora o vento cinza convida as folhas a dançarem. A noite nublada esconde estrelas sonolentas. O luar é tímido e as ruas silenciosas. Chegou a hora. Você não esperava por aquele momento, mas sabia que ele era inevitável. Quem nunca se deixou seduzir pela aventura arriscada de entender como funciona o teatro da vida? É chegado o momento de você dialogar com verdades indiscretas. A peça vai começar; onde estão as fantasias? Chegou a hora de tirá-las. De repente, milhares de perguntas surgem. Para respondê-las, as máscaras precisam cair. Antes disso, um adeus. O fim então que estava próximo, está aqui. É o fim da inocência. Você se despede. E de repente, no horizonte, um moinho gigante se forma, e vai moendo, uma a uma, muitas de suas ingênuas convicções. Aos poucos a dor de conhecer o mundo te contamina e te leva para longe de si mesmo. Longe, você descobre que nunca esteve tão perto de si.
De repente, as cortinas se abrem. O mundo sem máscaras se apresenta no palco. Mas espera aí, onde estão os personagens desse enredo? Só então você descobre que quem está no palco é você. A plateia inconveniente te assiste. Você caminha pelo palco. Não sabe para onde vai. Mas sente que tem força para não cair. Um sorriso feliz é desenhado em sua face. Nunca foi tão gratificante estar em apuros, você pensa. Seus olhos estão cerrados. Abrindo-os, você percebe que precisa se equilibrar. Há uma tonelada de verdades espalhadas pelo chão. Vê-las te perturba, mas te consola. Um ventinho úmido faz balançar seus cabelos. A plateia permanece calada. Despido de medos, você consegue uma carona rumo a si mesmo. As verdades então começam a te engolir. As cenas seguintes são vergonhosas. As luzes de todo o teatro se acendem e revelam toda a realidade. Por todos os cantos, figura a indecência de tortuosas verdades. A plateia parece surpresa. Seus olhos parecem cansados, mas você enxerga algumas delas. Eis: Ninguém precisa ser bom o suficiente para ter sucesso. Sorte e dinheiro às vezes são ingredientes mais que suficientes; não interessa o quanto você se esforce, alguém sempre irá desconfiar de você; diga o que disser, mas beleza importa sim e muitas vezes é decisiva; por mais que queiramos que seja diferente, para muitos os valores mais importantes são os da conta bancária; acusar o outro é, antes de tudo, defender-se, honrar o altar que você mesmo criou. Rabiscado na sua consciência uma última constatação: o mundo é grande demais para os pequenos.
Você está de pé. Parece vigiar a si mesmo. A plateia suspira ansiosa a espera de um novo ato. Sua aventura pelos palcos, meu chapa, pelo visto ainda não terminou. Conhecer a si próprio entendendo o mundo ao seu redor exige muito mais do que apenas avistar a indecência de certas verdades. É chegada a hora do último ato desta noite. Espera aí, parece que há uma porta num dos cantos do imenso palco. Você tem a impressão de que algo está a batê-la. E realmente está. A redenção faz então a sua visita surpresa. Seus olhos à convida a entrar. É agora. A inocência já em frangalhos então é atropelada de vez. Grandes e incontestáveis valores são jogados para sempre no porão das irrelevâncias. Só então você consegue ver. Está lá. A redenção com elegância te apresentou o esconderijo que você tanto procurava. Você encontrou a saída. A saída é se render e refugiar-se com os sobreviventes, nem que para isso não reste mais nada de você. É o que você faz. As cortinas calmamente se fecham. Lá fora a plateia que nunca dorme sente pena de você, mas parece contente por ver derrubadas todas as máscaras.
Daniel Lélis
Conto publicado originalmente na Revista Jfashion.