sexta-feira, 7 de maio de 2010

'Há algum tempo...' (por Daniel Lélis)

Há algum tempo atrás eu cantava sem saber a letra e dançava sem que houvesse qualquer música. Gritava para não ser ouvido e ouvia para que não gritassem comigo.
Hoje me vejo cantor, mesmo sem nunca ter cantado e dançarino sem nunca ter dançado. Grito para parecer louco, mas finjo ouvir para não parecer fanático.
Há algum tempo andava por aí, na busca de um caminho que me levasse a lugar nenhum. Olhava as nuvens procurando desenhar o meu futuro. Crucificada na cruz estava minha liberdade.
Hoje o caminho se multiplicou, vários surgiram, e por pura ousadia, resolvi seguir vários deles. Nas nuvens busco inspiração e a liberdade de figurante passou a ser protagonista.
Há algum tempo eu queria ter 21 anos. Não para ser mais velho. Detestava apenas a ideia de ser tão jovem.
Hoje quero ter muitas idades. Quero ser jovem para poder aprender e velho para poder ensinar. Contudo, quero poder zombar dos meus muitos anos e sentir orgulho dos poucos bem vividos.
Há algum tempo eu queria apenas existir. Era um objetivo a ser compartilhado. Por mim e por outros. Por mim e por ela.
Hoje sinto que existo. Mas antes disso, sei que vivo. E ela, o amor maior, chamo de mãe. Chamá-la de guerreira, porém, é mais que inevitável.
Há algum tempo direito era só um lado, uma parte. Minha mãe devia ver assim.
Hoje direito virou profissão. Não a preferida, mas a que o destino me chamou para conhecer. Amá-la, muito antes de ser uma necessidade, passou a ser uma obsessão; um fim, que passou a ser meio.
Há algum tempo, muitos amigos o mundo nem conhecia. A genitora, sinto dizer, nunca viu com bons olhos essa mania de amizade.
Hoje tenho amigos, que de tão amigos, passei a chamar de irmãos, filhos, filhas, pais, mães... O tempo levou alguns para longe, mas o amor, essa força infinita, teima em trazê-los para perto; para junto de mim; para dentro do coração, lugar de onde nunca saíram.
Há algum tempo, um amor que contrariava, que não vingou, mas não sumiu, fez nascer quem vos escreve.
Hoje outro amor, também embaraçoso, contudo próspero, fez nascer radiante a esperança em dias melhores. Este amor vivo, porque neste amor creio, e que seja assim enquanto durar.
Há algum tempo esperava o tempo cochichar nos meus ouvidos quais passos deviam ser dados. O medo era meu farol.
Hoje qualquer aventura me fascina. E o farol, em vez de me amedrontar, me conduz ao absurdo fatal de querer desvendar o mundo. Todo ele.


Daniel Lélis