Lá fora o vento cinza convida folhas a dançarem. A noite nublada esconde estrelas sonolentas. O único barulho que se ouve é o canto do silêncio. Aqui dentro, um coração sombrio vaga perdido, sem entender as razões para o seu próprio desarranjo. O mistério do mundo é perturbador. Na mente, explicações tentam ser construídas, mas sem êxito. O fim então que estava próximo, está aqui. É o fim da inocência. E de repente, no horizonte, um moinho gigante se forma, e vai moendo, uma a uma, muitas de suas esperanças. Desesperado, você se aventura e saboreia as delícias que só a atitude arriscada pode lhe proporcionar. Você procura respostas para perguntas que nunca entenderá. Aos poucos a dor de conhecer o mundo te contamina e te leva para longe de si mesmo. Longe, você descobre que nunca esteve tão perto de si. Aos poucos um a um todos os seus heróis vão sendo derrotados pela verdade. O seu equilíbrio parece te incomodar, mas você disfarça. Sabe que precisa seguir adiante. É, às vezes as melhores surpresas são mesmo a que fazemos. Mas você não está só surpreso consigo mesmo. Pela primeira vez você consegue entender as engrenagens fascinantes que movem o mundo. E isso, muito antes de realizá-lo, parece empurrá-lo para o medo. Você caminha. Não sabe para onde vai. Mas sente que tem força para não cair. Suas lembranças voltam a te assombrar. É a primeira vez também que você se sente feliz ao caminhar de mãos dadas com os fantasmas de sua infância. Quando você é transportado para o hoje descobre que todos os ontens ficaram para trás. Uma pá gigantesca surge e você passa a enterrar uma a uma todas as histórias que ainda te incomodam. A beleza do momento, contudo, é vergonhosa. Não poderia ser diferente. Julgado e condenado, muito de seu passado vai se despedaçando. A noite é fria. Ao longe as estrelas parecem lamentar, mas na verdade nunca estiveram tão orgulhosas. Um ventinho úmido faz balançar seus cabelos. No meio fio da vida, você enfim consegue enxergar-se. O silêncio e o luar tímido nunca pareceram tão fantásticos. Nada será como antes. Essas foram as únicas palavras que você ouviu de sua mascarada consciência. Este é o destino. Você sabe que alguma coisa precisa terminar para que haja um novo começo. As verdades envenenadas da realidade te servem como o mais doce remédio. Só então você descobre que ninguém precisa ser bom o suficiente para ter sucesso. Sorte e dinheiro são ingredientes mais que suficientes. Descobre igualmente que não adianta quanto você se esforce, alguém sempre irá desconfiar de você; que estupidez e hipocrisia são fortes propagandas; que quanto mais se nega o que se é, mais certeza se tem de que o é. Descobre enfim que as utopias não têm prazo de validade. Agora você está de pé. Parece vigiar a si mesmo. Não, não há nada que te faça sentar novamente. Um sono absurdo parece te consolar. Mas a sua aventura ainda não terminou. Conhecer a si próprio exige muito mais. Muito mais. Você sabe disso. Resolve então caminhar, agora de verdade. Na rua, poucos transeuntes. É mais de meia noite. Eleva mais uma vez os seus olhos e percebe que muito tempo se passou desde o início da maior viagem da sua vida. Um encontro forçado seduz mesmo, hein?! O futuro nunca foi tão pouco importante como naquele momento. O mais interessante de se conhecer é que no fundo você sabe que sempre vai ser derrotado pelas suas próprias incertezas. Você para um instante. Parece querer voltar, e volta. Você agora está na sua cama. O sono volta a te chamar. Você o ignora. A redenção bate na sua porta. Você a convida para entrar. É agora. A inocência já em apuros então é atropelada. Grandes e incontestáveis valores são jogados para sempre no porão das irrelevâncias. Só então você consegue ver. Está lá. O esconderijo que você tanto procurava. Você encontrou a saída. O refúgio dos canalhas. Dos sobreviventes. E não adiante o quanto você insista por não fazê-lo, não há outra alternativa. Você precisa se render. É o que você faz. Seus olhos, ardentes e furiosos, calmamente se fecham. Você dormiu. Lá fora o mundo sente pena de você, mas parece contente por derrubar todas as máscaras. Quando acordares, tudo será diferente...
Daniel Lélis
*Rascunhão que serviu de base para a criação do conto "NO PALCO DA VIDA, O SEU ENCONTRO COM VOCÊ", que estará em breve na Revista Jfashion.