O céu guloso monta o seu maior espetáculo. Ao longe algumas poucas andorinhas bailam despreocupadas. Um escurinho já se anuncia, mas enquanto não apresenta a noite, o dia desenha aquele que vem a ser a maior de suas belezas: o pôr-do-sol. Uma infinidade de sensações percorrem o seu corpo. Sua memória te convida para sonhar. Mas os seus olhos são teimosos e querem apenas contemplar com gratidão o fenômeno que se materializa a sua frente. Não há barulho. E mesmo que houvesse, você seria indiferente. O que importa ali é a apreciação de um presente da natureza. Uma oferta da vida para os seus olhos nunca esquecer. Você está parado. O sol vai traçando a sua despedida rotineira. Cores vibrantes, talvez tristes, pintam o céu. Nenhuma nuvem ousa atrapalhar o momento. No fundo dos seus olhos então uma senhora pergunta aparece. Você percebe. Sabe que não há como fugir dali. De repente, o vento sussurra ao seu ouvido o questionamento que naquela ocasião de beleza pura o destino deseja fazer. O azul do céu de repente é substituído. Nele, você agora enxerga desesperado a questão já ensaiada pela brisa do entardecer. Seus olhos se abrem. Caberiam mil leões ali.
Qual a razão do nosso existir?, é o que pergunta a sua perdida, mas valorosa, consciência. Nenhuma resposta será dada, você sabe. Mas é preciso fingir. A consciência costumar pesar quando o que sustenta a alma é apenas a leveza das aparências. Mas alguém que não foi convidado resolveu reaparecer. É o seu passado. Por um breve espaço de tempo, você pensa em ignorá-lo. Inutilmente , claro. Ele veio até você para mostrá-lo que há perguntas que só ele pode responder. E é o que ele faz. A noite parece próxima. O sol já dá o seu adeus de todos os dias. A luz já é escassa. Mas há uma chama suspensa no ar. Sua intenção: não deixar que o breu da noite esconda a pergunta que não quer calar. A pergunta que grita aos seus ouvidos. O passado finalmente mostra a que veio. Uma pontinha de desespero te consome, mas só então você descobre que tudo ali faz sentido. Ora essa, o passado, embora sempre fique para trás, nos acompanha de perto. Mesmo que muito dele não seja colorido, são dos seus desdobramentos nascem o fruto valioso que chamamos de MATURIDADE. Ela, diga-se, não é, embora muitos assim entendam, apenas o reflexo do passar do tempo. Ela não é consequência meramente da chegada dos cabelos brancos. Ela brota de nossas experiências. E não é preciso ter 100 anos para ter vivenciado com completude e intensidade o que a vida tem para oferecer. Muito pelo contrário. Sabe-se que há pessoas que mesmo chegando aos três dígitos não teriam dez páginas de histórias para contar. Muitas outras, na contramão do senso comum, viveram bem menos e uma biblioteca inteira não seria capaz de traduzir com plenitude as suas muitas histórias de vida. Algumas pessoas vivem, outras apenas existem. Já dizia Cazuza, o moço que muito viveu embora pouco tenha existido.
O imbatível anoitecer já deu as caras. Não há luar. Tímidas estrelas vão surgindo. A chama permanece resoluta a sua frente, não permitindo que a noite esconda de ti a nobre interrogação. Você suspira e se indaga: por que existimos? O passado dá palminhas no seu ombro e lembra você que não é preciso ir longe para encontrar a resposta. Ela está dentro de você. Mais precisamente em seu coração. É o amor, você fala. O amor é a resposta. Existimos por amor. Existimos para amar. A pergunta, ora indiscreta, satisfeita afugenta-se. A resposta aflita enfim é saboreada. Sua alma feliz parece um entardecer risonho.
Daniel Lélis